Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza
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Entrevistas
«A ligação entre Agricultura e Ambiente é inevitável no futuro»
A seca extrema que afecta Portugal voltou a criar o desespero entre os agricultores. De ano para ano os riscos são maiores e as alterações climáticas parecem tornar-se uma realidade cada vez mais palpável. Será que a agricultura está preparada para resistir a uma Natureza em transformação acelerada? Fomos conhecer a opinião de Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) desde 1999, para quem é inevitável uma aproximação entre a agricultura e a defesa do ambiente. Do problema da água às políticas europeias, dos transgénicos ao “elefante branco” de Alqueva. O presente e o futuro, sem evitar os temas controversos.

Entrevista com Luís Mira, secretário-geral da CAP
Um tema perfeitamente actual é a seca. Passámos um Inverno e praticamente uma Primavera em que não choveu. Como é que avalia as medidas que têm estado a ser tomadas pelo Governo?
As medidas são as minimamente possíveis, para minimizar numa margem muito reduzida os prejuízos que os agricultores têm tido. Mas estas situações não se combatem com medidas de emergência. Devemos ter uma estratégia a longo prazo para que estas situações não se repitam com a mesma intensidade. É necessário o Plano Nacional da Água, mas ele não é suficiente para os dias de hoje. É preciso fazer com que exista mais água a disposição das pessoas e dos agricultores. Espanha está a adoptar agora uma solução inovadora, que é dessalinizar a água do mar, e a CAP vai organizar uma visita para ver ao vivo como isso está a funcionar. O país não é todo para regar. Há certos tipos de agricultura que são de sequeiro e que continuarão a desempenhar o seu papel. Mas o factor limitativo para uma agricultura competitiva no nosso país é a falta de água. Se há 20 anos havia culturas permanentes de sequeiro, como a vinha e o olival, hoje não cabe na cabeça de um proprietário de um olival não ter um sistema de rega gota a gota. Foi um sistema que mudou a forma de avaliar as propriedades, mudou a técnica e mudou muito a forma de encarar as culturas possíveis em determinadas zonas do país.

É também um sistema que permite um uso mais eficiente do recurso água?...
Uma evolução que a agricultura tem tido nos últimos anos é uma grande especialização e um melhor aproveitamento da água. Os pequenos agricultores terão mais dificuldade em adoptar esses sistemas, mas são pequenos produtores que quase não interferem nas questões de mercado. Muitas vezes são apresentadas estatísticas que dizem que a agricultura desperdiça cerca de 40% da água, mas é um problema que tem mais a ver com uma pequena agricultura. Também é preciso ter em conta que a actividade agrícola ocupa mais de 80% do território. Há que fazer investimentos para ter água ao longo de todo o ano, como é o caso das barragens. A sensibilidade ambiental dos agricultores profissionais é muito maior hoje do que era há vinte anos atrás. Os conhecimentos evoluíram bastante. Há vinte anos havia aqueles anúncios da família Prudêncio na televisão a aconselhar os agricultores a não deitar as embalagens dos fertilizantes para o rio, mas sim enterrá-las, o que hoje seria um crime (risos)! Hoje há uma consciência muito maior.

Vários estudos indicam que com as alterações climáticas a tendência será para termos um tempo cada vez mais seco, uma maior desertificação e temperaturas mais elevadas. Até que ponto é que a agricultura está preparada para enfrentar esse desafio e adaptar-se às novas condições?
Há dificuldades acrescidas com a floresta, por exemplo. Não podemos mudar os sobreiros para um lugar onde faça menos calor. Há situações que não é possível remediar, outras sim. Se plantar uma vinha agora, ou um olival, preparo-o já para a possibilidade de ter de o regar e compensar os anos em que não chove tanto, a fim de evitar uma variação negativa na minha produção.

Mas não é possível prever quando vai faltar água e quando não vai...
O clima é das coisas mais imprevisíveis que existem e não há possibilidade de se prever a seca. O grande problema desta seca está não só neste ano, mas nas consequências que ela terá no próximo, uma vez que as reservas estão muito em baixo e as árvores estão em stress hídrico. Em certas culturas só no próximo ano se poderão avaliar os efeitos.

O tomate e o milho poderão ser as culturas mais afectadas?
Poderão ser as mais afectadas, porque são culturas de regadio e precisam de água para chegar ao fim do ciclo. Não existindo água, vamos ver o efeito que isso vai ter.

As medidas que o Governo está a tomar antecipam o que pode vir a acontecer?
Não. São medidas de emergência que não têm nada de estruturante. É necessário criar medidas a pensar nos anos que aí vêm e numa situação que inevitavelmente se vai repetir. Isto passou-se na década de 90 e daqui a uns anos vai voltar a acontecer outra vez. É preciso que os políticos retirem daqui conclusões e percebam que é necessário encontrar soluções para evitar que a seca tenha sempre um custo tão elevado.

A seca precisará do mesmo tipo de resposta que os incêndios, ao fim e ao cabo. Também sabemos que eles vão acabar por se repetir.
O fogo é um fenómeno mais permanente do que a seca, uma vez que todos os anos há incêndios. Também tem a ver com uma prevenção feita de forma diferente. Toda a gente fala de medidas, toda a gente dá a sua opinião, mas aquilo de que nós precisávamos era de um plano a médio prazo, que estabeleça uma gestão florestal sustentável, com espécies em que seja mais difícil o fogo propagar-se, e com um envolvimento dos agricultores no combate aos fogos. Os agricultores, que conhecem o terreno, seriam porventura muito mais eficazes. No último ano e meio tivemos três governos, três ministros da agricultura, o que torna complicado definir essa estratégia sustentável.

Um dos problemas que se colocam nesta altura é o facto de algumas albufeiras estarem a um nível extremamente baixo, o que levou o Ministério da Administração Interna a requisitar outros meios aéreos, porque os previstos não teriam capacidade para se abastecer. E na agricultura? Considera que as albufeiras que existem em Portugal são suficientes para as necessidades agrícolas?
Algumas albufeiras públicas não estão a ser utilizadas em toda a sua potencialidade, quando foram concebidas a pensar na agricultura. É preciso analisar e saber porquê. O caso mais paradigmático é o Alqueva. Ali está o maior lago artificial da Europa, e não está nada regado em termos agrícolas. A única rega que há é a do subsistema de Odivelas, que já funcionava, embora não com água do Alqueva. É preciso as pessoas questionarem-se como é que se gastam 2 mil milhões de euros numa obra que se diz todos os dias que é preferencialmente destinada à agricultura, e que eu saiba ainda não contribuiu praticamente nada para o desenvolvimento da actividade.

O Alqueva acaba por ser o paradigma de um país em que se criam barragens a pensar na agricultura mas em que estas não beneficiam necessariamente os agricultores?
Exactamente. O Alqueva já serviu para tudo. Na década de 60 era para fornecer água a Sines, na década de 70, depois da revolução, foi pensado para fixar mão-de-obra no Alentejo, nos anos 80, com a entrada de Portugal na UE, era para tornar o Alentejo mais produtivo, na década de 90, com a reforma da Política Agrícola Comum (PAC), é mais uma reserva estratégica de água. Mas afinal serve para quê? Mais uma vez não há um objectivo estratégico. Por vezes define-se um objectivo a três anos, mas demora-se 15 a lá chegar, e quando lá se chega já o objectivo se perdeu. Se na década de 80 os planos tinham alguma lógica na perspectiva de uma modernização e intensificação da actividade agrícola, hoje não têm sentido nenhum, porque estamos num quadro completamente distinto da PAC. As coisas não podem demorar tantos anos a conceber-se. O plano de rega do Alqueva foi previsto para estar pronto em 25 anos. Eu não sei discutir algo a uma distância de 25 anos. As alterações tecnológicas e políticas são tão grandes que não consigo imaginar, nem sei se a barragem fará falta, daqui a 25 anos.

Que alterações prevê? Já não haverá agricultores suficientes naquela região nessa altura? Fala-se muito do envelhecimento na agricultura.
Quando entrámos para a UE tínhamos 25% da população activa na agricultura. Hoje temos uns sete ou oito, e havemos de parar nos 4%. Mas, no entanto, produzimos mais leite, mais tomate, mais quase tudo. Há menos agricultores, mas os que havia antes eram de pequena dimensão. 85% dos agricultores em Portugal têm menos de cinco hectares de terra. Destes, 37% cultivam menos de dois hectares.

Uma das dificuldades que têm sido apontadas ao uso da água na área de rega de Alqueva pelos agricultores é o seu elevado custo, nomeadamente o transporte e a elevação.
Isso é uma falsa questão. Ponham a água disponível que aparecem investidores para a utilizar. O que se passa na realidade é que as condutas para distribuição da água não estão construídas. No ano passado não houve nenhuma disponibilização de orçamento para realizar essas condutas. O actual primeiro-ministro já disse que vai avançar com o plano de rega, mas com a contenção financeira do país, que obriga a optar, a construção de hospitais e escolas talvez tenha prioridade em relação à construção das condutas.

Então as associações ambientalistas sempre tinham alguma razão quando diziam que o Alqueva seria construído mais em função de um projecto turístico do que agrícola...
Vão começar a construir-se tubagens, mas quando se chegar ao fim as primeiras já estão podres! Porque custa tudo muito dinheiro. Numa altura em que a PAC se transformou profundamente, parece tudo indefinido. Fala-se em culturas energéticas, em fruta...

Vai ter de ser feita uma nova agricultura em função do Alqueva?
A actual política agrícola já exige por si só uma nova agricultura. A protecção que a UE tinha nas fronteiras já não é a mesma, e há valores cada vez mais importantes, como a protecção ambiental. Não temos condições para competir num mercado liberalizado porque pagamos os salários ao preço que pagamos, que não é o que acontece em países como o Brasil ou a Argentina, e não é possível competir quando as condições não são as mesmas. A PAC tem vindo a desmantelar o proteccionismo às fronteiras, o que irá prejudicar ainda mais a agricultura europeia.

Uma das mudanças que a nova PAC vem introduzir é o desligamento das ajudas em relação à produção. É também considerada uma PAC mais ambiental e que valoriza a segurança alimentar. Que impacto é que tem tido até agora na agricultura portuguesa?
A nova PAC entrou em vigor em Janeiro. Num ano como este, de seca, é difícil avaliar o seu verdadeiro impacto. Além do desligamento, há a necessidade de cumprimento de um conjunto dse condicionalidades, e isso vem alterar muito a forma de fazer agricultura, porque hoje a Comissão, a PAC e os contribuintes europeus consideram que estão mais disponíveis para contribuir para a preservação do espaço europeu do que propriamente para uma forma de produção que leve a excedências e a outro tipo de problemas. Então a PAC dirigiu-se nesse sentido, e contempla novas medidas agro-ambientais, assim como medidas de bem-estar animal. Depois da segunda Guerra Mundial as prioridades eram outras, a preocupação era poder alimentar a população. Hoje considera-se que mais importante é produzir em segurança. De início houve grandes divisões, mas hoje a sintonia entre os serviços florestais, o Ministério da Agricultura, os agricultores e os ambientalistas é total, em diversos locais da Europa. Há até exemplos de locais em que a agricultura, a caça e a preservação da Natureza coexistem como um todo e penso que é por aí o caminho, que o objectivo deve ser conciliar a produção e a preservação das condições naturais.

Um dos aspectos provavelmente mais difíceis de conciliar será o uso de pesticidas e fertilizantes. Considera que o desenvolvimento de novas tecnologias pode ir tornando a agricultura mais ambiental e mais “biológica”?
Não há nenhuma agricultura que não seja biológica. No passado as pessoas utilizaram coisas sem conhecer o seu efeito, mas a UE tem vindo a limitar o uso de químicos e inclusive a proibir alguns produtos. Há hoje uma consciência muito maior por parte dos agricultores, e há muita gente que faz luta biológica e usa outros métodos, porque acabam por ser muito mais eficientes. Penso que o facto de haver maior número de certas aves nos últimos anos, como as cegonhas, se deve aos maiores cuidados com o uso de produtos perigosos. Hoje há menos agricultores, mas mais profissionais, mais instruídos do que há vinte anos atrás, e que têm muito mais cuidados. O desafio de hoje é produzir alimentos com qualidade e preservando o ambiente. Hoje uma associação como a Quercus é um parceiro indispensável. A articulação entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura, que hoje não funciona, tornar-se-á inevitável, como aconteceu no resto da Europa.

A CAP não só concorda com a introdução das sementes de milho transgénico em Portugal como considera que as distâncias de protecção são excessivas. Como se pode garantir o princípio de precaução e garantir que não há riscos para a saúde humana e a biodiversidade?
Penso que daqui a uns anos serão os próprios movimentos ambientalistas a impulsionar a utilização de algumas plantas geneticamente modificadas, porque elas evitam a utilização de herbicidas e pesticidas. Eu considero que os Organismos Geneticamente Modificados (OGM), mantendo um certo grau de precaução, são um avanço tecnológico inevitável. Permitem maior poupança de água, evitar o uso de pesticidas, e ganhos de que muito dificilmente poderemos abdicar. Considero a maior hipocrisia haver presidentes de câmara a dizer que não querem os OGM no seu “quintal” quando toda a soja que se come na Europa desde há 20 anos é geneticamente modificada. Neste caso, trata-se de variantes de milho que estão a ser permitidas em toda a Europa. Penso que os transgénicos vão entrar primeiro nas culturas energéticas, e vão acabar por ser o factor de competitividade de algumas culturas.

A lei recentemente aprovada estipula os 200 metros de separação entre culturas transgénicas e convencionais, mas a CAP defende que essa distância é excessiva.
A maioria dos países europeus definiu os 50 metros. Em Espanha são 25. Estas variedades de milho são resistentes à fusária. Mas em Portugal é apenas na zona Norte, entre Douro e Minho, que existe essa praga, numa região onde predominam as propriedades agrícolas de pequena dimensão. Ao obrigar um pequeno agricultor a guardar uma distância de 200 metros liquidamos completamente a possibilidade dele fazer a cultura. Os agricultores do Alentejo não disseram nada, porque não têm fusária. Para o ano, quando o catálogo de variedades for alargado a outras pragas, já todos vão achar que 200 metros é muito, mas aqui a CAP tem de manter uma posição de equilíbrio.
O milho transgénico não se diferencia do outro. Nós já recebemos em Portugal 500 mil toneladas de milho dos Estados Unidos todos os anos. Já consumimos soja modificada há muitos anos. Não podemos é ter dois pesos e duas medidas.

Que papel atribui à agricultura biológica?
Muitos produtores acabaram por desistir por não conseguir competir com os preços baixos e houve um certo arrefecimento. O desenvolvimento da agricultura não se faz por decreto político. Depende dos consumidores. São eles que vão solicitar mais ou menos agricultura biológica. O consumidor às vezes tem um conceito de que o biológico é bom, mas depois não reaje bem às características do produto. Acredito mais numa evolução técnica dos agricultores. Em Portugal a actividade representará 1% da agricultura, existe e tem o seu espaço. Muitas pessoas até têm uma intenção de comprar, mas depois o preço acaba por pesar.

Qual é o relacionamento da CAP com as associações de agricultura biológica?
A Agrobio é nossa associada. Ainda recentemente tivémos um perito nosso em Bruxelas a participar numa reunião sobre agricultura biológica. É uma parte importante da questão agrícola, mas não será impulsionada por a impormos, mas na medida em que os consumidores o exigirem.

As culturas energéticas podem vir a ter um papel importante, podem vir a justificar-se como opção de produção para o país?
Estando esta questão da produção de alimentos como está, penso que as culturas energéticas vão vir à superfície. Por outro lado, há que apostar em produtos em que se possa ter um valor acrescentado, como nas denominações de origem. Mais uma vez, tem de haver um objectivo e uma estratégia nacional, senão vamos estar dependentes da evolução do mercado mundial.

Entrevista: Carla Gomes
Fotos: Luís Galrão
QUERCUS Ambiente nº. 15 (Setembro/2005)
 
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