Portugal continua desorientado relativamente à forma adequada de gerir os seus resíduos. Durante as últimas décadas o país assistiu a um aumento significativo na produção de resíduos, sem que isso tivesse motivado uma mudança substancial na forma como os responsáveis políticos e toda a sociedade encaram esta problemática.
Portugal, apesar de não ser o país europeu cujos cidadãos possuem maior poder de compra, apresenta uma das maiores produções de lixo anual per capita, cerca de 400 kg. Para agravar esta situação, este aumento na produção de lixo doméstico ainda não estabilizou, estimando-se que continue a aumentar nos próximos anos.
A contrastar com esta situação e, de certa forma, a justificar este mesmo cenário, está o facto de Portugal se apresentar no contexto da União Europeia (EU) como um dos Estados Membros com menos eficiência na reciclagem dos materiais que compõem os seus resíduos ( 15%). Desta forma, as metas de reciclagem estabelecidas no âmbito da UE estão muito longe de serem alcançadas.
Esta distância é ainda maior se considerarmos a tendência de aumento na produção de resíduos e os novos objectivos de reciclagem estabelecidos para as embalagens, até aqui de 25% mas agora de 55% a atingir em 2011.
É incompreensível que, ano após ano, o governo e a maior parte dos municípios deste país se esqueçam sistematicamente de olhar para o problema dos resíduos com uma visão mais sustentável a médio e longo prazo. A tendência dos nossos responsáveis políticos é, frequentemente, a de tentar resolver esta questão com um toque de “varinha mágica”, construindo uma grande unidade de incineração ou um aterro sanitário e esquecendo o leque de acções prioritárias que devem ser implementadas como forma de tornar sustentável a médio e longo prazo qualquer sistema de gestão de resíduos.
Esquecendo todos os mecanismos disponíveis para a redução da produção de resíduos, esquecendo as leis que promovem o uso de embalagens reutilizáveis e esquecendo a necessidade de promover a recolha selectiva e reciclagem em detrimento da recolha indiferenciada, os nossos governantes preferem iludir-se com as soluções que implicam grandes obras.
A intenção da Secretaria de Estado do Ambiente apoiar a construção de uma unidade de incineração na zona Centro do país, fortemente contestada pela QUERCUS, é um claro exemplo de que muitos dos nossos políticos ainda não compreenderam a verdadeira génese de toda a problemática dos resíduos e o contexto que hoje possui ao nível europeu.
Tendo em conta que a incineração de resíduos de embalagens já não é considerada a nível europeu um mecanismo de valorização, é apenas de eliminação, e que os nossos níveis de reciclagem são baixos, particularmente diminutos na zona Centro, o reforço da queima de resíduos traduzir-se-á na impossibilidade de perseguir e cumprir as metas comunitárias de valorização e reciclagem.
A QUERCUS tem apresentado alternativas à incineração mais vantajosas, quer em termos ambientais quer económicos, para gerir os resíduos da zona Centro do país, apostando na valorização orgânica e na reciclagem. No entanto, a ERSUC e a Secretaria de Estado do Ambiente insistem em não olhar para o lado, deixando mesmo dúvidas sobre os motivos que as levam a defender tão cegamente uma metodologia insustentável em termos ambientais e económicos.
Infelizmente, é notória a falta de clareza dos responsáveis pela área dos resíduos no nosso país. Recentemente o Secretário de Estado do Ambiente anunciou a aplicação de multas a quem não faz a separação dos resíduos e não os coloca nos respectivos contentores existentes nos ecopontos. Esta medida até seria aceitável se estivéssemos a falar de outro contexto que, infelizmente, não é o que existe em Portugal.
Como poderemos aplicar uma medida deste tipo se a recolha indiferenciada é privilegiada, porque feita porta a porta, e a selectiva é relegada para segundo plano pelas próprias entidades? Como poderemos compreender esta medida se em muitos municípios deste país simplesmente não existem condições mínimas para a recolha selectiva? Como julgar esta medida minimamente inteligente e provida de boas intenções se o governo pretende reforçar a incineração? É caso para dizer que o governo é adepto da filosofia “faz o que eu digo mas não faças o que eu faço”.
É preciso compreender que a gestão adequada dos resíduos passa obrigatoriamente pela implementação de diversos mecanismos próximos da população. Apesar destas soluções não se adequarem, em alguns casos, aos ritmos eleitorais dos políticos, é imprescindível, para benefício da sustentabilidade ambiental e económica da gestão dos resíduos, uma aposta forte na educação e sensibilização ambiental em associação com a criação de condições estruturais que promovam a redução, reciclagem e valorização dos resíduos.
Hélder Spínola Presidente da Direcção Nacional da Quercus QUERCUS Ambiente n.º 5 (Marrço/2004)